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Infecção por dengue pode proteger contra zika, diz estudo

08/02/2019

O temor de que os efeitos dos vírus da dengue e da zika interajam de forma perigosa no organismo das pessoas infectadas provavelmente é infundado, revela um estudo conduzido em Salvador durante o auge da epidemia de zika, em 2015.

 

Analisando amostras de sangue de quase 1.500 moradores do bairro de Pau da Lima, na capital baiana, cientistas do Brasil e dos EUA concluíram que a forte circulação do vírus da dengue antes que a zika chegasse à região não piorou o impacto causado pela nova doença.

 

Aliás, o contrário parece ter acontecido: as pessoas que carregavam muitos anticorpos (moléculas de defesa do organismo) contra dengue tinham mais chances de evitar a nova moléstia. Ou seja, na prática, ter tido dengue várias vezes antes conferiu alguma proteção contra a zika. Os resultados estão descritos em artigo que acaba de ser publicado no periódico especializado Science.

 

“Estudos epidemiológicos como esse são caros e exigem tempo para dar frutos. Estava mais ou menos claro que só entenderíamos melhor o que estava acontecendo no caso da zika quando a epidemia enfraquecesse. Mas tudo indica que a doença veio para ficar no Brasil, então é importante compreendê-la”, disse à Folha o virologista Mauricio Lacerda Nogueira, coautor da pesquisa e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. A coordenação do trabalho coube a Federico Costa, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) da Bahia, e a Albert Ko, da Escola de Saúde Pública da Universidade Yale, nos Estados Unidos. 

 

Os especialistas usam a sigla ADE (potencialização dependente de anticorpos) para descrever o fenômeno que poderia definir uma infecção agravada por outra infecção prévia. O processo de ADE parece estar por trás do risco que existe quando alguém é acometido por duas formas diferentes do vírus da dengue, por exemplo. Na segunda infecção, a possibilidade de sintomas sérios, que podem levar à morte, torna-se maior.

 

Nesses casos, o que parece acontecer é que os anticorpos produzidos pelo organismo durante a primeira infecção são capazes de se conectar com a nova forma do vírus, mas não conseguem neutralizá-lo. De quebra, atuam como “cavalo de Troia”, levando o vírus para dentro das células.

 

Como o vírus da zika é um parente próximo do causador da dengue (ambos pertencem ao grupo dos flavivírus), a possibilidade de que algo assim acontecesse existia. E os dados para analisar diretamente o fenômeno também estavam disponíveis, já que Albert Ko e seus colegas têm um projeto de pesquisa em saúde pública de longo prazo em Salvador (o médico de Yale, aliás, morou no Brasil durante 15 anos).

 

Graças a isso, a equipe analisou tanto a presença de anticorpos contra o vírus da zika, que indicam a ocorrência de uma infecção pelo patógeno, quanto a de anticorpos contra dengue (num subgrupo menor dos moradores de Pau da Lima, totalizando 642 pessoas).

 

A primeira conclusão importante do levantamento é que o novo vírus realmente se espalhou com força tremenda pela população em 2015. Eles estimam que cerca de 70% dos moradores da área tiveram zika nesse período (trata-se de uma estimativa, e não de uma certeza, porque a análise dos anticorpos tem certa margem de erro).

 

Do subgrupo de 642 pessoas, 86% apresentavam ao menos alguns anticorpos contra dengue. Isso não foi suficiente para tornar essas pessoas, como um todo, imunes à zika— mas, quanto mais alta a quantidade de anticorpos antidengue em seu organismo, menor a probabilidade de elas também terem sido infectadas por zika.

 

Quando esse subgrupo é dividido em três partes conforme o nível de anticorpos no organismo, o terço de pessoas com mais anticorpos contra dengue tinha chance 44% mais baixa de ter zika quando comparada ao terço de pessoas com menos anticorpos, ou a quem não tinha nenhuma defesa contra a dengue.

 

Segundo Ko, o resultado é uma boa notícia para os testes atuais e futuros de vacinas contra a dengue. Como o papel das vacinas é justamente estimular a ação do sistema de defesa do organismo e a produção de anticorpos, havia o temor de que eles pudessem causar o efeito não intencional de potencializar a zika. “Essa seria a pior situação possível, considerando os defeitos congênitos, como a microcefalia, que a doença pode causar durante a gestação”, destaca ele.

 

E os dados talvez ajudem a explicar, de forma quantitativa, porque milhares de casos de microcefalia apareceram no país, e em especial no Nordeste, após o auge da epidemia, com um retorno posterior ao patamar esperado do problema. “A taxa incrivelmente alta de infecção em comunidades como a do nosso estudo certamente foi a principal razão”, diz Ko.

 

“Se a proporção de 70% da população for mesmo representativa, pense no que isso representa só para o Nordeste como um todo”, acrescenta Mauricio Nogueira. Seriam 40 milhões de pessoas. “Com tantos casos, efeitos relativamente raros da infecção começam a ficar visíveis.”

 

Após a primeira infecção, tudo indica que a pessoa se torna imune a novos ataques do vírus da zika, o que impediria que o fenômeno se repetisse com a mesma intensidade nos próximos anos. Com o passar do tempo, porém, após o nascimento de pessoas cujo organismo não teve contato o patógeno, cria-se um reservatório de possíveis vítimas. É por isso que é importante estar preparado para futuros ataques. 

 

ANTICORPOS CONTRA UM DOS PARASITAS PODEM TRAZER PROTEÇÃO CONTRA O OUTRO 

 

​Tanto o vírus da dengue quanto o da zika fazem parte do grupo dos flavivírus, ao qual pertence também o causador da febre amarela. O parentesco entre os dois primeiros parasitas é particularmente próximo

 

Como a dengue é uma doença endêmica em muitas populações do Brasil, havia o temor de que a infecção de pessoas que já tiveram a doença com o vírus da zika potencializasse os efeitos da nova moléstia. É o que acontece às vezes com quem já teve um subtipo da dengue e tem seu organismo atacado por outro subtipo do mesmo vírus

 

Uma análise de amostras de sangue de quase 1.500 moradores de uma comunidade de Salvador, colhidas durante a epidemia de zika de 2015, revelou que isso provavelmente não aconteceu: a chance dos indivíduos com altas contagens de anticorpos (moléculas de defesa) contra a dengue também pegarem zika era 44% menor que a de pessoas com poucos anticorpos contra dengue ou que nunca tinham tido a doença

 

Isso é uma boa notícia para futuros testes de vacinas da dengue: em tese, o risco de que a imunização contra a doença potencialize os efeitos da zika é baixo



Fonte: Folha de S. Paulo | Portal da Enfermagem
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