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Projeto recruta pacientes para combater fake news oncológicas

12/03/2018

Chega uma mensagem no celular. Ela é colorida, repleta de emojis, cada tópico é destacado por um ícone: “evite o uso de sutiã preto no verão”, “não aplique desodorante antes de dormir”, entre outras supostas recomendações de como evitar o câncer de mama.

 

Misturar bicarbonato com com limão, encharcar a salada com vinagre de maçã, ou engolir uma pílula mágica para evitar e/ou tratar todos os tipos de câncer —as fake news sobre o tema parecem não ter fim, assim como a criatividade de quem redige e espalha as novidades de mentira.

 

“A gente sabe que a circulação dessas mensagens é rápida. E quem as envia geralmente é algum amigo ou parente —por que essa pessoa iria sabidamente me mandar uma informação mentirosa?”, questiona Maria Paula Bandeira, 31. Ela é uma das participantes de um projeto da ONG Instituto Oncoguia, que praticamente declarou guerra às fake news oncológicas ao formar uma rede de “causadores”.

 

“Muitas vezes o canal ou blog de um paciente cresce, de modo a exercer influência e a ajudar outros que passam pelo mesmo problema. Esse paciente se torna um ativista, e é aí que ele tem que se atentar em pontos que antes não o preocupavam. Será que está escrevendo bobagem? Será que a experiência dele serve para os demais?”, diz Luciana Holtz, presidente do Oncoguia.

 

No manifesto dos causadores, algumas das diretrizes são estas: não divulgar conteúdo de origem sensacionalista; não dar orientações que cabem a profissionais de saúde; priorizar a informação baseada em evidências científicas. Maria Paula tem câncer de mama metastático e mantém uma conta no Instagram (@lencododia) com quase 20 mil seguidores com os quais compartilha sua rotina de tratamento, suas memórias e pensamentos.

 

Em uma postagem recente, ela fez uma contabilidade: “Em sete anos, foram três protocolos. Já fiz 55 sessões de quimioterapia, 35 sessões de radioterapia na mama, mais duas radiocirurgias na cabeça e cinco sessões de radioterapia na pleura. Já fiquei careca três vezes; possivelmente ficarei mais algumas.”

 

A intensa relação com o câncer transbordou a vida pessoal e chegou à profissional. Ela, que é advogada e professora universitária, mudou de área de atuação, de direito eleitoral para a aplicação do direito à área da saúde. Entre os assuntos mais discutidos por ela estão as diferenças de tratamento no SUS e na rede privada e a incorporação de novas tecnologias no sistema público. Ela explica que, como influenciadora, tem o dever de replicar uma notícia verdadeira ou de corrigi-la, se é falsa. 

 

“Com a rede [de causadores], podemos trocar informações para que tenhamos certeza do que estamos divulgando. Geralmente eu digo para a pessoa procurar o médico para tirar as dúvidas dela, mas a gente sabe que muita gente não tem esse acesso imediato, o que torna nossa atuação ainda mais relevante.”

 

“É uma luta difícil [aquela contra as fake news]. Às vezes a mensagem é bonitinha, tem tom de informação relevante e, quando vai ver, já foi. Se as pessoas pensarem por alguns segundos se uma informação é verdadeira antes de replicá-la, já é uma vitória”, diz Holtz.

 

DEMORA

 

Em 2011, Sonia Niara, 27, sentiu um caroço no pescoço, coceira na pele e tosse. Por causa de um erro no diagnóstico, demorou um ano para ela saber que se se tratava de um linfoma já em estágio avançado. A doença voltou poucos meses após a primeira tentativa de tratamento, uma quimioterapia. A tentativa seguinte foi um autotransplante de medula —algo um tanto agressivo e que, geralmente, equivale à cura, explica SoniaNão foi o caso, mais uma vez. “Um mês e meio depois o tumor veio maior do que antes. Costumo dizer que o transplante não fez nem cócegas nele.”

 

O alento só veio depois que ela recomeçou os tratamentos do zero. Quimioterapia, radioterapia, quimioterapia de novo. Atualmente ela está há 1 ano e 3 meses em remissão. Foi depois do transplante, no fim de 2014, que ela resolveu compartilhar um pouco de sua rotina na forma de vídeos no YouTube e com posts no blog

 

Ela havia ganhado uma peruca do pai e a mãe a incentivava a postar as fotografias que tirava. “Mas eu não queria fazer um diário online. Sempre preservei minha privacidade”, diz. “Contei minha história, trazendo informação, esclarecimentos e um pouco de motivação. Nos primeiros vídeos, ensinei a amarrar lenços. Demorou um pouco, mas percebi que havia aí um propósito de vida.”

 

Ela, que antes teve de interromper os estudos para se tratar, cursava medicina veterinária, hoje é estudante de jornalismo e também faz parte do projeto do OncoguiaUm de seus textos, no qual ela explica os sintomas do linfoma, já obteve mais de 100 mil acessos, em mais de 30 países. O alcance justifica o cuidado com o conteúdo, afirma Sonia.

 

A rede de causadores funciona como uma espécie de lembrete, diz. “Por causa desse papel de influenciadora sei que não posso só falar por mim. Tenho que pesquisar minhas fontes, levar a sério o que eu faço —virou uma causa.”

 

Ela afirma, porém, que há  obstáculos para quem deseja seguir o caminho correto: “A gente constrói um conteúdo de qualidade e ele demora para se propagar. As fake news rodam o mundo em segundos, mas adianta, sim, lutar contra elas, porque quando você leva o conhecimento às pessoas, elas também passam a transmiti-lo de forma correta. É trabalho de formiguinha.”

 

COMPLEXIDADE

 

Segundo Helano Freitas, coordenador de pesquisa clínica do A.C.Camargo Cancer Center, uma consequência de boatos e notícias falsas sobre câncer é a adesão a terapias alternativas —sabidamenteineficazes— em detrimento do tratamento convencional. 

 

“No meio oncológico a comunicação não é algo trivial. Temos de comunicar notícias difíceis, quase sempre traduzindo um vocabulário complicado para o paciente. A pessoa sai daquele contexto e um conhecido traz a informação de que alguém teria se curado com erva, chá ou qualquer outra coisa mais fácil do que uma quimioterapia ou cirurgia, por exemplo — para entender o apelo.”

 

“Minha leitura é que os boatos se espalham em torno de uma esperança de uma grande mudança, mas nunca vi uma mudança que não viesse por meio da pesquisa clínica”, diz o médico.



Fonte: Folha de S. Paulo | Portal da Enfermagem
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