Ocorre que por atrasos na licitação, a compra só foi feita em novembro passado, por pregão emergencial. Foram comprados 15 mil tratamentos. Se um remédio precisa necessariamente estar associado a outro faz algum sentido ser comprado somente um ano depois do primeiro?
A bomba agora está nas mãos das secretarias estaduais de saúde. Em documento, o ministério recomenda que os medicamentos sejam distribuídos até o próximo dia 25, a pouco mais de um mês da data de vencimento do sofosbuvir. Ao todo, são 2.200 tratamentos que têm de ser usados até 28 de fevereiro. Caso contrário, o prejuízo aos cofres públicos será de R$ 18 milhões.
Leonardo Vilela, presidente do Conass (conselho nacional de secretários estaduais de saúde), já disse não há como cumprir o prazo por uma questão de logística e do tempo necessário para que os pacientes sejam acionados. "É absolutamente impossível", afirmou à Folha.
Há ainda uma outra preocupação: haverá remédios suficientes para completar o tratamento? Em São Paulo, por exemplo, não há. Os esquemas terapêuticos variam de acordo com o tipo do vírus e a gravidade do paciente e podem ser de 12 ou 24 semanas.
A quantidade enviada pelo ministério é suficiente para um mês, segundo o governo paulista. O tratamento não pode ser interrompido porque há risco de perda de eficácia. Por isso, ele só é iniciado quando há estoque para todo o esquema (que pode envolver duas ou mais drogas). O ministério garante que há medicamentos suficientes.
Imaginem o desespero dos pacientes. Ficam um ano angustiados à espera de um tratamento essencial. E quando recebem a notícia de que, finalmente, ele chegará, correm o risco de recebê-lo prestes do vencimento ou nem receber já que as secretarias estão resistentes em fazê-lo nessas condições.
Além disso, há dúvidas se os exames realizados quando da solicitação do tratamento, como o de carga viral, serão considerados válidos ou se o paciente terá que realizar outros para receber os medicamentos. Se houver a necessidade de repetir os testes, será um problema a mais para cumprir o tempo determinado pelo ministério.
Ainda em relação à hepatite C, houve grande retrocesso no acesso a tratamentos nos últimos dois anos. Segundo Carlos Varaldo, do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, em 2016 foram realizados 36.627 tratamentos. Em 2017, 25.988, e em 2018, apenas 13 mil. A expectativa é a que o novo governo trate neste ano 50 mil pacientes.
Também há suspeita sobre uma compra de 13 mil tratamentos para hepatite C (sofosbuvir e daclatasvir) feita por pregão no apagar das luzes do governo de Michel Temer. Segundo Varaldo, com o mesmo valor pago por tratamento (US$ 2.500 por um esquema terapêutico de 12 semanas), teria sido possível comprar outros tipos de medicamentos mais baratos, tão eficazes quanto no combate da hepatite C, o que poderia ter duplicado a quantidade de terapias disponíveis. A entidade levou a denúncia ao TCU (Tribunal de Contas da União).
São alguns dos problemas que a nova gestão do Ministério da Saúde já começa a enfrentar. Há outras demandas urgentes que devem ser levadas nesta semana ao ministro José Henrique Mandetta por representantes dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde. Entre elas, a proposta de Mandetta de criação de um terceiro turno na atenção primária.
Os municípios já investem muito da receita em saúde (23%, em média, quando a Constituição determina 15%) e dizem que não conseguem assumir mais nada se não houver repasses extras do governo federal. A maioria das prefeituras, pela Lei da Responsabilidade Fiscal, não pode contratar mais funcionários. Já atingiram o limite de 60% da receita com ativos, inativos e pensionistas. Ou seja, não adianta o Ministério da Saúde repassar responsabilidades sem dizer de onde virão os recursos.
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