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Na era digital, seus amigos são realmente seus amigos?

16/05/2018

"Você tem amigos suficientes; arrumar um novo pode fazer mal", diz um personagem petulante chamado Max em "Tempo de Decisão" (1995), filme cult de Noah Baumbach, quando um membro do seu quarteto de amigos pós-universitários tenta apresentar um quinto sujeito ao grupo.

 

A referência a um filme de mais de 20 anos atrás pode parecer datada, mas considere a época em que a história se passa e as formas de interação entre os personagens. Conversar pelo telefone fixo era rotina. Cartas tinham papel importante. Os amigos se reuniam sem distrações externas e pouca possibilidade de organizar planos com outras pessoas naquele momento.

 

Isso tudo parece antiquado e obsoleto se comparado à maneira pela qual as pessoas de 20 e poucos anos levam sua vida social hoje. Saídas com os amigos são interrompidas frequentemente para que as pessoas tirem e postem fotos e por aplicativos instalados em smartphones, que causam desvios de atenção.

 

Em retrospecto, o período do filme foi um dos últimos em que havia poucos obstáculos tecnológicos à amizade. A mídia social e os smartphones ajudam a espalhar o afeto de maneira mais ampla e, com isso, as amizades podem ficar menos densas.


Ilustração mostra pessoas com os olhos grudados no celularHanna Barczyk/The New York Times

 

"Lanço minha rede mais longe agora", disse a escritora Lucy Schiller, 29, recém-formada na Universidade de Iowa. "É muito mais fácil para mim manter um envolvimento casual com maior número de pessoas. Não sei se isso é um subproduto de estar envelhecendo, mas parece que os parâmetros da amizade mudaram.

 

Gostaria de imaginar que ela envolve longas caminhadas e conversas profundas e atividades compartilhadas, mas a esta altura parece que estruturas como essas ficaram relegadas ao passado e estamos só deslizando por aí, com interações muito divertidas mas sem peso algum."

 

Duas estatísticas da Pesquisa Social Geral americana, em suas edições 1985 e 2004, são muitas vezes invocadas para comentar a influência da tecnologia nova sobre as amizades estreitas e o isolamento social. O número médio de confidentes que as pessoas afirmam ter caiu de 2,94 para 2,08 no período, e o número de pessoas que dizem não ter confidentes subiu de cerca de 10% para cerca de 25% dos entrevistados.

 

Isoladamente, esses números parecem servir como crítica severa às conexões desenvolvidas na era da internet, ainda que as redes sociais ainda estivessem em sua infância, na era MySpace, em 2004, e o iPhone não existisse.

 

Mas, em 2011, uma equipe de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, comandada por Keith Hampton, encontrou provas de que relações sociais próximas não se chocam com o uso da internet e que usuários da internet tendem a ter redes pessoais maiores. A pesquisa também constatou que o isolamento social era na verdade menor em 2008 do que em 1995.

 

Os pesquisadores determinaram que o tamanho da rede de "confidentes principais para conversas" está associado mais fortemente a duas atividades populares na mídia social: mensagens instantâneas e postagem de fotos. As pessoas que têm celulares e se envolvem nessas atividades têm redes 34% maiores que as pessoas que não o fazem.

 

Outros estudos conduzidos por Hampton argumentam que a internet e a mídia social são capazes de facilitar conexões sociais offline. Um deles indica que os usuários frequentes do Facebook têm elos sociais mais estreitos e diversos do que o cidadão americano médio, embora o número geral de conexões seja o mesmo.

 

Isso contrasta com as pesquisas de Robin Dunbar, professor de psicologia evolutiva na Universidade de Oxford. Segundo ele, o tamanho do grupo dos primatas --o número de pessoas (ou chimpanzés) com o qual alguém é capaz de manter coesão social -- se correlaciona com a razão entre o tamanho do neocórtex e o do resto do cérebro.

 

Para seres humanos, o chamado "número de Dunbar" envolve uma média de 150 amigos casuais. São essas as pessoas que iriam ao seu casamento ou funeral. O número de pessoas próximas, porém, é bem menor.

 

Pode-se presumir que ter milhares de amigos ou seguidores na mídia social inflaria o número de Dunbar, mas ele diz que isso não acontece. Em um estudo recente no qual analisaram dados do Facebook e Twitter, o pesquisador e sua equipe determinaram que as pessoas ainda demonstram as mesmas frequências de interação que prevalecem nos relacionamentos face a face nas diferentes camadas de intimidade, disse Dunbar.

 

Os canais de mídia digital, porém, não distinguem entre as diferentes qualidades de relacionamento, ele disse. O resultado seria um excedente de velhos conhecidos a quem é mais difícil esquecer por conta da mídia online, o que poderia sufocar o desenvolvimento de novos relacionamentos pessoais diretos. "O tempo social de que alguém dispõe é limitado, e você pode passá-lo ou conversando em pessoa com os amigos ou na internet", disse Dunbar. Se esse tempo é passado com pessoas "remotas", não sobra tempo para investir em novos relacionamentos.

 

As interações digitais ou no celular também não propiciam os benefícios fisiológicos nos encontros face a face. "Nesses, a pressão sanguínea cai, há sincronia, a pessoa imita inconscientemente a postura do amigo", disse Carlin Flora, autora de "Friendfluence: The Surprising Ways Friends Make Us Who We Are" (Influência dos amigos: as maneiras surpreendentes pelas quais as pessoas nos tornam quem somos, em tradução livre). "É uma empatia que os seres humanos desenvolveram ao longo de milhares de anos, e você não a tem ao seguir alguém na mídia social", diz ela.

 

Mas agora é comum que a sincronia seja interrompida em encontros, dada a onipresença do smartphone. Imagine o quadro "Nighthawks", pintado por Edward Hopper em 1942, recomposto em formato atual: três fregueses de uma lanchonete e um atendente, no meio da madrugada, cada qual olhando para a tela de seu celular.



Fonte: Folha de S. Paulo | Portal da Enfermagem
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