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Prescrever é fácil, mas só médico com vocação cuida do paciente

17/04/2018

Por diferentes razões e situações, conversei nas últimas semanas com acadêmicos e profissionais de saúde que estudam ou aplicam algumas das práticas integrativas e complementares no SUS, especialmente fitoterapia e acupuntura.

 

É importante pontuar algumas questões que, no calor dos debates em torno da decisão recente do Ministério da Saúde de aumentar a oferta dessas práticas no sistema, ficaram sem discussão. Ou só na falácia. A primeira delas é que, diferentemente do que muita gente (eu, inclusive) havia entendido, não há ônus ao já combalido orçamento da saúde pública com a adoção dessas terapias.

 

Estados e municípios de todo o país continuarão recebendo o mesmo recurso do Piso da Atenção Básica (R$ 17,2 bilhões por ano) e têm liberdade para organizar suas ofertas e demandas conforme a necessidade, como prevê a legislação. Ou seja, o ministério não vai tirar verba da contratação de profissionais ou da compra de medicamentos, equipamentos e insumos para colocar nas terapias alternativas. 

 

Mas como seguro morreu de velho é preciso ficar de olho como isso vai acontecer na prática. A decisão sobre a incorporação de algumas terapias na lista do ministério, especialmente as que custam caro, envolveu lobbies (sim, os "naturebas" também gostam de dinheiro. Não é só a indústria farmacêutica, não) e, como tudo o que diz respeito ao SUS, é preciso responsabilidade do gestor com o recurso público e controle social na sua aplicação.

 

Também se falou que as práticas poderiam substituir a medicina convencional ou adiar um tratamento. Mas muito do que já é feito no SUS envolvendo terapias integrativas ocorre, como o próprio nome já diz, de forma integrada e complementar ao atendimento do usuário.

 

Exemplos que presenciei: médico de família ao atender uma pessoa com dor muscular sugeriu que ela experimentasse acupuntura. Ele mesmo aplicou as agulhas. Ou o médico que conhece fitoterapia e recomendou à mãe um chá de erva medicinal à criança resfriada.

 

É bem provável que, ao procuramos na literatura médica, não encontraremos as tais evidências científicas comprovando a eficácia dessas práticas. Efeito placebo? Se é seguro, traz bem-estar e não onera o sistema, que mal tem? Alguém já foi pesquisar se o chazinho feito pela nossa avó ou nossa mãe funcionava? 

 

Visitei nos últimos dias muito chão de fábrica, as unidades básicas de saúde, e falei com profissionais e usuários. Em várias situações, não é a "medicina baseada em evidência" que vai funcionar para determinado perfil de paciente.

 

Um exemplo? Mulheres com depressão ou ansiedade que, mesmo fazendo uso de remédios "cientificamente comprovados", continuavam sem sucesso no tratamento. Inseridas em grupos de dança circular, ioga, tai chi chuan, entre outras, estão ótimas. Muitas, inclusive, livres da medicação.

 

É fundamental que o médico se ampare em um bom conjunto de evidências científicas, como as que disponibilizam o Centro Cochrane, rede global independente de pesquisadores que faz revisões sistemáticas, ou o BMJ, considerada uma das melhores ferramentas de apoio à decisão clínica para profissionais de saúde em todo o mundo.

 

Mas isso não vale só para as terapias integrativas. Muitos medicamentos caríssimos, inclusive alguns que estão sendo judicializados e onerando o SUS, não estão amparados em fortes evidências científicas, a despeito de serem prescritos por médicos. Sobre o tema medicina baseada em evidência, sugiro que acessem o blog do médico Luis Correia.

 

Prescrever um remédio ou um exame é fácil. Qualquer médico com registro profissional é capaz de fazê-lo. Agora, olhar para o paciente, ter empatia e enxergar suas reais necessidades, é só para os quem têm vocação para o cuidado mesmo. 


Cláudia Collucci

Repórter especializada na área da saúde, é autora de 'Quero ser mãe' e 'Por que a gravidez não vem?'



Fonte: Folha de S. Paulo | Portal da Enfermagem
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