Um tipo de radioterapia contra o câncer com base em prótons, as partículas subatômicas de carga positiva, impede que a radiação atinja tecidos saudáveis. Isso evita o surgimento de tumores "radioinduzidos" décadas após o tratamento, dizem especialistas, e isso é especialmente importante para o tratamento em crianças. O primeiro aparelho foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no início do novembro para uso no Brasil. No entanto, os custos, a necessidade de grande infraestrutura e o fato de seus benefícios nem sempre serem imediatos ainda são impeditivos para que o acesso a esse tratamento seja ampliado rapidamente.
A terapia tem como principal vantagem sua especificidade: a radiação atinge somente o tumor. Quando fazemos uma radioterapia comum contra um tumor específico, por exemplo, outros tecidos adjacentes, saudáveis, são atingidos. Em alguns casos, mas não frequentemente, esses tecidos antes normais podem se transformar em tumores induzidos por radiação décadas mais tarde.
O problema pode ocorrer quando os tumores que recebem a radiação são infantis -- e essas crianças que receberam a radiação têm de enfrentar um segundo câncer quando ficam mais velhas, como resultado do tratamento feito quando jovens. Um dos tumores induzidos por radiação, por exemplo, é o linfoma (tumores do sistema linfático, responsável pela produção dos glóbulos brancos) e o sarcoma (tumores das partes moles, como aqueles de tecidos musculares). “Em uma pessoa que recebe a radioterapia aos 60 anos, isso não é uma preocupação, mas em crianças, sim”, diz Antônio Cássio Pellizzon, diretor de radioterapia do A.C. Camargo Cancer Center. Para tentar resolver esse problema, a medicina há algum tempo tem apostado na terapia de prótons, ou “proton beam therapy”, como é comumente mencionada em artigos científicos.
Induzida por prótons, a nova terapia consegue ser direcionada especificamente para o tumor-alvo. Células saudáveis, dessa maneira, ficam praticamente livres da radiação. Uma outra indicação da abordagem é a aplicação em alguns tumores inoperáveis, como alguns de cabeça e pescoço. Células malignas próximas a regiões sensíveis no cérebro, por exemplo, também se beneficiaram de uma radiação mais focada -- como foi o caso do garoto no Reino Unido.
Especialistas salientam que a principal vantagem da terapia de prótons sobre as atuais é justamente a pouquíssima radiação que vai para os tecidos saudáveis. Mas não há evidências de que a terapia de prótons seja mais eficazes que os tratamentos usados atualmente.
"Ainda não foram apresentados estudos dizendo que o benefício clínico é superior", diz Arthur Rosa, presidente da Sociedade Brasileira de Radiologia. "Mas você entrega muito menos dose nos tecidos adjacentes. Quanto menos radiação espalhada, melhor."
Indicações de uso
Hoje, a terapia tem indicação específica (o que significa que seria uma das primeiras indicações terapêuticas) para tumores oculares, tumores da espinha, tumores da base do crânio e tumores do fígado. Outras indicações poderiam ser avaliadas a depender do caso. “Uma mulher com câncer de mama, por exemplo, que, por alguma cardiopatia, não poderia receber nenhuma radiação no coração”, diz Pelizzon.
Outra indicação da terapia de prótons é em áreas que já receberam radiação anteriormente. “Se esse tumor volta, não são todos os casos em que a radioterapia pode ser indicada novamente. Os tumores de próstata são exemplos disso também por uma série de condições anatômicas”, explica Pellizzon.
A diferença da terapia de prótons para as terapias atuais
Na radioterapia por feixe de fótons, como é chamada a radioterapia mais usual, a radiação costuma atravessar o corpo do paciente, explica Eduardo Weltman, médico rádio-oncologista do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Albert Einstein. É essa mesma radiação que faz as imagens por raio-x. As radiografias são produzidas justamente porque a radiação atravessa o corpo.
Já no caso dos prótons, as partículas são jogadas diretamente no corpo, e elas não atravessam totalmente o organismo como no caso dos fótons – fato que lhes confere maior especificidade para atingir no tumor. “Quando o próton sai, ele vai até uma determinada profundidade e isso é a vantagem”, diz Weltman. "Uma característica interessante do próton é que ele só vai se ionizar e liberar energia em uma determinada profundidade, e isso é fundamental", diz Rosa. O mecanismo descrito pelo especialista é conhecido como 'Pico de Bragg'. O acelerador de partículas também demanda mais espaço e tecnologia porque os prótons têm mais massa que os elétrons; com isso, o custo é maior.
Uma das vantagens, no entanto, é que um mesmo acelerador de partículas pode tratar ao mesmo tempo 4 pacientes. “Se pensarmos em uma analogia, é como se fosse uma sala com um ar condicionado, por exemplo. A energia gerada pode tratar esses pacientes ao mesmo tempo”, explica Pellizzon.
A disponibilidade e o problema do custo
Toda a infraestrutura necessária para disponibilizar a terapia de prótons chegou a custar US$ 200 milhões no passado, com a necessidade de 5 mil m² de área dedicada. Hoje, esse montante é de US$ 30 milhões para algo entre 700 e 800 metros -- o preço, contudo, não caiu o suficiente para ser adotado em larga escala. “Hoje, um acelerador linear ocupa 40 m²”, diz Pellizzon. “Então, a terapia de prótons, além de ter um custo mais alto, também tem uma demanda de espaço que é cara em muitas cidades”, completa.
Outra questão é que o acelerador deve ser instalado com especificações rígidas -- como a necessidade de quatro andares para que a radiação não atinja o solo, e que o local suporte o peso dos equipamentos.
Fonte: Bem Estar | Portal da Enfermagem
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