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Países recorrem a empresas banidas para garantir oferta da penicilina

10/05/2017

Países fortemente atingidos pela escassez de penicilina, como o Brasil, voltaram-se a empresas chinesas banidas por órgãos reguladores para garantir o abastecimento do remédio.

 

Em julho passado o Brasil isentou a fabricante chinesa North China Pharmaceutical Group Semisyntech de um registro obrigatório da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para vender penicilina benzatina ao país.

 

O registro de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA) é um mecanismo para garantir a segurança e qualidade dos remédios vendidos no país.


A isenção beneficiou três empresas farmacêuticas brasileiras (Teuto/Pfizer, Novafarma e Eurofarma), possibilitando que importassem o ingrediente ativo não registrado do fabricante chinês.

 

A isenção foi concedida sete meses após a própria Anvisa ter negado o pedido da North China Pharmaceutical Group Semisyntech de vender penicilina benzatina ao país. A razão da recusa foi o descumprimento pela empresa de bons padrões de fabricação. Antes disso, autoridades europeias identificaram "deficiências críticas" na fábrica chinesa.

 

Durante uma visita de autoridades europeias à fábrica em novembro de 2014, inspetores encontraram documentos falsificados, problemas no laboratório de controle de qualidade e risco de contaminação nos medicamentos formulados na planta, situada na cidade de Shijiazhuang, na província de Hebei. Após os resultados, a North China Pharmaceutical Group Semisyntech foi banida de vender diferentes tipos de penicilina à União Europeia.

 

A fabricante chinesa também perdeu vários certificados emitidos por autoridades europeias para medicamentos que satisfazem a padrões altos de qualidade. Hong Kong, Etiópia e Libéria fizeram recall de frascos de penicilina feitos com ingredientes da fábrica chinesa.

 

Atingida por uma escassez grave do medicamento, no ano passado a África do Sul também comprou mais de 242 mil frascos de penicilina benzatina não registrada da North China, por meio de um esquema de emergência. O país disse que autorizou a compra antes de saber dos resultados da inspeção das autoridades europeias.

 

Após outra inspeção da UE, a North China recebeu em março deste ano um certificado de boas práticas de fabricação, mas o documento é válido apenas para substâncias de uso veterinário.

 

Contatado, o Ministério da Saúde brasileiro disse em nota que vem incentivando empresas locais a produzir penicilina. Nem o Ministério nem a Anvisa responderam a questões sobre medidas tomadas para avaliar a qualidade dos ingredientes produzidos na fábrica e vendidos ao Brasil.

 

POUCOS FABRICANTES

 

A iniciativa de diferentes países em comprar penicilina de uma empresa banida por sérios problemas de qualidade está ligada ao pequeno número de fabricantes que restaram no mercado. "A produção de penicilina é difícil", diz Andy Gray, professor sênior de farmacologia na Universidade de KwaZulu Natal, na África do Sul. "Trata-se de um produto para o qual não existem alternativas, e dependemos de algumas poucas fornecedoras globais gigantes."

 

No caso da penicilina benzatina, apenas quatro empresas no mundo ainda produzem o ingrediente farmacêutico ativo do antibiótico, e três delas ficam na China.

 

 

Os fornecedores globais são a Sandoz GmbH, sediada na Áustria, e as empresas chinesas North China Pharmaceutical Group Semisyntech, CSPC Pharmaceuticals Group e Jiangxi Dongfeng Pharmaceutical.

 

Mas poucos fornecedores não são o único problema. Essas empresas fabricam apenas 20% do que poderiam porque "esse é um produto sem patente, que oferece pouco lucro e os dados sobre demanda são muito limitados", segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O baixo preço do medicamento também desencoraja fabricantes de ingressarem no mercado, perpetuando o problema.


 

Com tão poucos produtores, as empresas farmacêuticas dizem que lhes restam poucas opções de fornecedores dos ingredientes. Dois anos atrás, quando Portugal também enfrentava escassez da penicilina benzatina, a empresa portuguesa Atral se voltou à China após seu antigo fornecedor europeu mudar a apresentação da substância ativa, algo que, segundo a Atral, a tornou incompatível com seu processo de formulação.

 

O Atral diz que nenhuma das empresas que avaliou na China dispunha do conjunto completo de documentos exigidos pela União Europeia. Mas, sem ter para onde mais recorrer, o laboratório ajudou a fabricante chinesa a montar um pacote de informações que se adequasse à legislação da UE.

 

"Não é fácil. Há poucos produtores e, dos que estão no mercado, um está banido e os outros não têm a documentação completa", diz Eduardo Oliveira, diretor de assuntos regulatórios do Atral.

 

Mesmo a Índia, o segundo maior produtor de medicamentos, terceiriza para a China quase toda sua produção de penicilina, segundo a Associação Indiana de Manufatores de Drogas (Idma). "A Índia ficou inviável porque o preço da China é tão baixo que não há como concorrer com ela", diz o diretor executivo da Idma, Ashok Kumar Madan.

 

O DILEMA DO REGULADOR

 

O número muito pequeno de fabricantes também cria dilemas para os órgãos reguladores, que, por medo de que faltem remédios necessários para salvar vidas, têm poder limitado de restringir o fornecimento vindo de alguns fabricantes, mesmo quando deficiências críticas foram constatadas em suas fábricas.

 

Segundo a EMA (agência europeia de medicamentos), no passado órgãos reguladores foram obrigados a deixar remédios de baixa qualidade no mercado, para evitar o desabastecimento de remédios considerados essenciais. "Foi preciso tomar decisões muito difíceis de riscos e benefícios" e optar "por produtos de baixa qualidade ou nenhum produto", disse a agência em um relatório de 2012.

 

Problemas com a qualidade de fabricação de medicamentos se intensificaram nas últimas décadas, na medida em que as empresas farmacêuticas passaram a comprar cada vez mais ingredientes de fabricantes externos, às vezes situados em países muito distantes de onde elas operam. Especialistas alertam que essa prática pode aumentar o risco de remédios de baixa qualidade.

 

"É evidente que é essencial que as empresas sigam regulamentos de qualidade para a produção de medicamentos para garantir que eles sejam eficazes e não prejudiquem a saúde dos pacientes", diz Natasha Hurley, gerente de campanhas da Changing Markets Foundation.

 

Outro problema é a falta de transparência. As empresas farmacêuticas raramente revelam quem de fato fabrica os medicamentos que elas vendem, alegando que a informação é confidencial. Mas a falta de clareza sobre as empresas que de fato produzem medicamentos pode dificultar o controle de qualidade.

 

No caso da penicilina, em que quase toda a produção global é realizada por produtores terceirizados, a questão é ainda mais urgente. "O próprio mercado é muito fragmentado. Tem sido difícil saber quem realmente fabrica o medicamento", diz a médica Rosemary Wyber, vice-diretora do grupo RhEACH, que no ano passado coordenou um estudo sobre a disponibilidade global de penicilina benzatina.

 

"Quanto mais aprendemos sobre o lado clínico e quanto mais procuramos entender o lado da produção, mais percebemos que este mercado não é nem um pouco transparente."



Fonte: Folha de S. Paulo | Portal da Enfermagem
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