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Adulto 'chato pra comer' pode ter vidas social e profissional afetadas

06/12/2016

Brócolis, beterraba ou abóbora? Nenhum deles! Muitas crianças são excessivamente seletivas quando o assunto é comida. Quando elas crescem, muitas deixam para trás seus peculiares hábitos de alimentação, mas outras continuam, indefinidamente, restringindo a própria dieta.

 

Ainda não é possível saber quem será "curado" quando crescer, diz a psicóloga Nancy Zucker, diretora do Centro para Distúrbios Alimentares da Universidade Duke, EUA. Ela é a principal autora de um estudo que ligou a seletividade ao comer em crianças em idade pré-escolar a problemas emocionais.

 

Os adultos podem continuar mantendo as preferências infantis –os legumes são os menos preferidos–, mas acrescentam restrições, como consumir somente alimentos em forma de purê. Em uma amostra de 2.600 adultos autoconsiderados seletivos, 75% relataram que o padrão teve início na infância. As estimativas de alimentação seletiva, dependendo da definição, variam de 5% a 25% entre as crianças. Entre os adultos, não existe consenso sobre essa prevalência, afirma Nancy.

 

Um dos motivos é de que muitos tentam manter o hábito em segredo, já que esse tipo de restrição é uma fonte comum de estresse que pode levar a problemas pessoais ou profissionais. Luiz Henrique Dias, professor de cursinho, diz sentir ódio e nojo a legumes e fungos. Em pratos preparados com os ingredientes, a opção é não comer. "Tenho 34 anos, e não 6, como o comportamento descrito pode indicar", brinca.

 

No ranking de repulsa do professor, as primeiras colocações são ocupadas por beterraba, brócolis, couve-flor e champignon. Quando criança, Stephanie Lucianovic, autora de um livro sobre o tema, escondia os legumes ou tampava o nariz durante as refeições. Quando adulta, a seletividade trouxe novos desafios quando ela se apaixonou por um homem de uma família entusiasmada por comida.

 

"É uma coisa assustadora a superar. As pessoas não escolhem detestar comidas. É vergonhoso. Não existe muita simpatia pelos comedores seletivos", afirma. Stephanie conta que para pôr um fim nessa seletividade contou com o apoio de um parceiro e aprendeu a cozinhar. Ela evita legumes cozidos no vapor, mas agora gosta deles tostados ou refogados. "É possível redefinir o padrão do que se gosta ou não. Eu fiz isso ao continuar experimentando as coisas de maneiras diferentes."

 

Em alguns casos, um susto durante uma refeição infantil, engasgando ou vomitando, pode levar a se temer um ou mais alimentos. "As lembranças ligadas à comida são muito poderosas", afirma Nancy. Outras pessoas podem ter uma sensibilidade ampliada "ou até mesmo uma percepção distorcida quanto a determinados gostos e cheiros", diz Juyun Lim, professora auxiliar de Nutrição e Tecnologia da Universidade Estadual do Oregon cuja pesquisa se concentrou no papel dos sentidos nas preferências alimentares.

 

Todo alimento contém de dezenas a centenas de compostos voláteis que determinam o aroma e o sabor, conta ela, mas o mesmo alimento pode ser percebido de formas distintas por dois indivíduos.

 

Enquanto alguém pode gostar do sabor do coentro, por exemplo, outra pessoa pode achar que tem gosto de sabão. Outro exemplo é o porco, que contém um composto que nem todos detectam ou que descrevem como agradavelmente floral, enquanto outros o qualificam como similar a suor ou urina.

 

HÁBITO

 

Às vezes aprendemos a gostar de alguma coisa o quanto mais somos expostos ao alimento. "A primeira vez que se toma cerveja o gosto nunca é bom", compara Juyun.

 

Mas nem sempre o problema é o paladar: existem adultos que rejeitam tomates crus por que se sentirem repelidos pela "coisa nojenta que acontece quando se fura um tomate e o interior sai", segundo uma pesquisa da Universidade da Pensilvânia. Em casos extremos, algumas pessoas podem evitar todos os alimentos, problema que a Associação Psiquiátrica Americana chama de Transtorno Alimentar Seletivo (TAS).

 

De acordo com Nancy, alguns comedores seletivos adultos procuram ajuda quando estão preocupados em serem exemplos ruins para os filhos ou com medo de entrarem em pânico em refeições de negócios.

 

Por suas peculiaridades alimentares, Dias relata ter abandonado um evento. O problema: ele fazia parte de uma entidade que seria premiada na ocasião. "Tinha estrogonofe com um champignon muito grande. Eu fiquei com nojo das pessoas comendo e fui embora", diz.

 

O professor de cursinho, por exemplo, se considera uma pessoa "monoprato". Comida para ele é o "comercial da padoca", com arroz, feijão, filé de frango ou bife e salada (só tomate e alface). Psicólogos e assistentes sociais ajudam os pacientes a ter uma perspectiva dos fatores biológicos, emocionais e sociais por trás do hábito.

 

Nancy compara o processo à recuperação física de uma lesão, exigindo muito trabalho e prática. Pacientes que comem somente alimentos em formato de purê podem precisar se consultar com um terapeuta ocupacional para aprender a mastigar e engolir de forma mais eficaz, por exemplo. Eles também aprendem a lidar com situações como comer em público ou explicar suas preferências alimentares a outras pessoas. Para Dias, mesmo o suporte de especialistas não foi suficiente. "Fiz três anos de terapia. Resolvi o problema da separação, de infância... Resolvi tudo, menos a questão alimentar."

 

Leia depoimento

'Já me vi comendo pão com manteiga durante um jantar mexicano'

 

REINALDO JOSÉ LOPES

 

Dizem que o problema começou assim que fui apresentado aos alimentos sólidos –ou, pelo menos, semissólidos. Minha mãe assegura que não havia maneira de me fazer comer papinha de legumes: era enfiar a colher na minha boca e ouvir a onomatopeia "Blergh!", seguida da papinha sendo expelida boca afora.

 

O fato é que a chatice para comer, digo, a seletividade alimentar é algo de que me lembro desde sempre. Quando criança, não é que eu rejeitasse certas comidas –bem, muitas comidas– porque não as achasse suficientemente apetitosas.

 

O que acontecia (e ainda acontece, em larga medida) é que bastava o contato dos tais alimentos com as papilas gustativas para que o reflexo de vômito fosse acionado, como quem aperta um botãozinho no qual se lê "para colocar os bofes para fora, clique aqui".

 

O fenômeno que acabo de descrever vale para, entre outros, os seguintes alimentos: milho e derivados, inclusive pipoca e bolo de fubá (menos Sucrilhos), amendoim e derivados (menos Sonho de Valsa), abóbora, berinjela, beterraba, chuchu, agrião, rúcula, pimentão, mandioquinha, tomate seco (o fresco eu como), bebidas alcoólicas de qualquer natureza.

 

Frutas, curiosamente, quase sempre escapam –embora eu invariavelmente faça cara de nojo quando tento comer caqui. Engulo duas verduras (alface e repolho) por pura necessidade de ingerir fibras e fazendo os maiores esforços para não pensar no gosto e na textura do treco.

 

Por causa de tanta frescura, já me vi comendo pão com manteiga durante um jantar mexicano oferecido no apartamento de um casal de amigos (desculpa aí, Paula e Rafa!). Já cuspi instintivamente uma esfiha de rúcula (que deveria ser proibida pela Convenção de Genebra) mordida por engano no chão de um salão de festas chique durante a formatura de outro amigo.

 

E passei duas semanas da minha vida, uma na França e outra na Malásia (ambas as vezes a trabalho), comendo basicamente fruta e, você adivinhou, pão com manteiga (ou com queijo e presunto) porque os pratos principais da culinária local não desciam.

 

Minha ex-editora nesta Folha, Débora Mismetti, apostava que eu era "supertaster" –ou seja, com uma sensibilidade bem mais aguçada que a média a sabores amargos, que frequentemente está associada a uma mutação no DNA. Nunca tentei checar a ideia, mas não me sinto nada "super" a respeito, apesar de conseguir dar umas boas risadas por conta das trapalhadas alimentares.

 



Fonte: Folha de S. Paulo | Portal da Enfermagem
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